domingo, 27 de setembro de 2015

O MEU ÔNIBUS

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 27/09/15

Com este título, Thales de Azevedo escreveu neste jornal, em 12/4/1973, um delicioso artigo, que transcrevo em parte, sobre o projeto do ônibus biarticulado do prefeito Jaime Lerner de Curitiba, que permitiu a criação do primeiro BRT do mundo. Como verão adiante, nada mudou na mobilidade de Salvador nesses 42 anos. “Existe, afinal, o meu ônibus. Não que o haja comprado ou tirado na rifa ou mesmo achado à porta de uma das fábricas do CIA. Também não o encontrei no acostamento de alguma BR-não-sei-quantos. Não é nenhum desses em que ando, tantas vezes, de pé, apertado, empurrado, sofrendo os freios-de-arrumação, com calor e desconforto, outras vezes sentado mas, ainda assim, em bancos mal cuidados, lutando para me esgueirar entre a massa dos companheiros de sacrifício quando se aproxima o meu ponto. Não é esse que aguardo, paciente, nas filas coleantes da Praça da Sé, sem abrigo, ao sol ou à chuva...

“Meu ônibus é outro: é meu, mas não o possuo - infelizmente; porque não tirei a loteria esportiva nem tenho vocação para esse comércio. Faço, quanto muito, o desinteressado e não lucrativo “comércio das letras”, mas penso nos transportes que se empregam entre nós, em nosso clima cálido e úmido e na quantidade de gente que nos mesmos se mortifica comprimida, machucada, pisada, a maior parte de pé, mal agarrada ao encosto dos bancos ou a um varal muito acima da cabeça, suando, abanando-se, tombando nas curvas...

“Eis senão quando, surge, paradoxalmente no Paraná frígido, gelado, ventoso ao menos nos seus muitos meses frios, um modelo de ônibus que é exatamente aquele com que sonho há anos e que seria uma maravilha na Bahia, particularmente quando combinado com a medida, adotada sabiamente em Curitiba, de reduzir ou eliminar o tráfego de veículos individuais na parte central da Cidade. O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba acaba de aprovar a proposta do ônibus urbano desenvolvido por engenheiros da Faculdade de Engenharia Industrial de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Esse coletivo conduzirá confortavelmente nada menos de oitenta passageiros sentados - e não os trinta e poucos daqui - em assentos dispostos longitudinalmente em duas fileiras, deixando um amplo espaço no centro para eventuais passageiros em pé”.

Thales de Azevedo, para os mais jovens, foi jornalista, historiador, ficcionista, pintor e um dos pioneiros da antropologia do cotidiano, escrevendo sobre namoro e paquera, a praia, ritos e ritmos de vida. Para resgatar o pensamento do intelectual, a Academia de Letras da Bahia, a UFBA, a Fundação Pedro Calmon e o Museu de Arte da Bahia e mais oito universidades estão organizando o “Seminário Relendo Thales de Azevedo” a ser realizado entre 10 e 13 de novembro nesta cidade. O programa inclui uma exposição, lançamento de livros, mesas-redondas e comunicações sobre temas variados e atuais. Edital e programa estão no site htts://academiadeletrasdabahia.wordpress.com e no tel.(5571)3321 4308, à tarde. As inscrições para comunicações com resumo vão até 05/10/15. Não percam esta oportunidade de conhecer e discutir as ideias inovadoras de um dos maiores pensadores da Bahia.

domingo, 15 de março de 2015

DIVIDINDO SALVADOR AO MEIO

Paulo Ormindo de Azevedo 
SSA: A Tarde de 15/03/15

No dia seis do mês passado foi iniciada a construção da linha 2 do metrô Salvador/Lauro de Freitas. Será que o soteropolitano imagina o que será esta obra? Apesar de ser uma corruptela do projeto original do prefeito Hage, que passava por baixo da primeira linha de colinas de Salvador atendendo aos dois níveis da cidade, a maioria dos urbanistas era favorável que se concluísse o projeto iniciado em 2000, ou seja, a linha 1 indo até Aguas Claras e a linha 2 até o Campo Grande onde infletiria, ainda subterrânea, em direção ao norte para chegar ao aeroporto.

Com a transferência do metrô em 2013 para o Estado ocorreu uma mudança radical O metrô não vai mais passar na área de maior concentração de serviços, população e transito de carros. Com isto vão continuar os engarrafamentos. A solução adotada em Y reduzirá em 30% a eficiência do sistema. Embora a engenharia da linha 2 não tenha sido “publicizada”, sua descrição pelos jornais dá uma ideia de seu funcionamento. Entre o Acesso Norte e a Rodoviária o metrô correrá ao nível do solo e em um elevado de 200 m. A partir dali seguirá pelo canteiro central da Paralela até o Aeroporto e Lauro de Freitas. Como a Paralela tem muito pouca ocupação ele vai funcionar mais como um trem suburbano que metrô e criará uma barreira intransponível ao nível do solo de 19,5 km separando a cidade rica da orla do Atlântico da cidade pobre do Miolo. 

Imaginem as enormes filas de carros nas duas mãos da Paralela para transpor a linha férrea em quatro ou cinco viadutos, sem faixa para ciclistas nem passeios. Nem Soweto em Johannesburg foi tão segregada durante o apartheid. A Paralela perderá o jardim de Burle Marx para dar lugar a uma ferrovia murada com nove estações que ocuparão toda a largura do canteiro central. Seus moradores, funcionários e trabalhadores terão ainda que suportar a matraca do trem dia e noite. Seus imóveis serão inevitavelmente desvalorizados.

Mas haveria outra solução? Sim. Ao longo da Paralela o metrô poderia correr num “falso túnel”. Esta solução consiste em bater estacas nos dois lados da via, fundir uma laje a 50 cm abaixo do solo atual, refazer o gramado e escavar o túnel. Solução barata, pois não necessita de desapropriações, tatuzão para furar rochas, nem estancar lençol freático. Não perderíamos o parque longitudinal e os retornos e evitaríamos a poluição sonora e visual do projeto atual.

Será que a único critério para concessão de obras públicas é o de menor preço e facilidade para a empreiteira, que depois é superfaturado com aditivos e a obra abandonada na metade, como ocorreu na linha 1. Será que a destruição de uma avenida e a divisão de uma cidade ao meio com muros e alambrados não tem um passivo socioeconômico muito maior que um trem suburbano deficitário?

O Ministério Público Federal pode dar outro rumo a este projeto, pois o processo sobre indícios de fraude na licitação original de 1999 não foi parado (A Tarde 21/02/15). Na composição acionaria do grupo vencedor da atual licitação estão as empreiteiras do imbróglio Consorcio Metrosal, envolvidas também no processo Lava Jato, que serão as executoras da obra. Pau que nasce torto morre torto, diz o proverbio.

segunda-feira, 2 de março de 2015

O ÚLTIMO ENGENHO INTEGRO DA BAHIA

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 1º/03/15
A história brasileira foi sustentada entre o século XVI e parte do XIX pela agroindústria açucareira. A estrutura patriarcal, a escravatura, a miscigenação, as rebeliões libertarias e a cultura popular resultam desta economia, especialmente na Bahia e em Pernambuco, os dois maiores produtores mundiais do período.
Engenho de Baixo, em Aratuipe - Bahia (Foto: Paulo Ormindo)

Dos 500 engenhos da Bahia, em meados do século XIX, não restam senão cerca de dez casas-grandes, algumas capelas e duas ou três fábricas, mas apenas um engenho completo. Quando coordenei o Inventario de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (7 volumes) levantamos todos estes testemunhos mas nenhuma das medidas propostas foi adotada. Sobre esta documentação Esterzilda Berenstein de Azevedo escreveu teses de mestrado e doutorado na UFBA e USP. A primeira “Arquitetura do Açúcar” publicada pela Ed. Nobel, 1990. A segunda resumida em “Engenhos do Recôncavo”, IPHAN 2009.
Engenho Freguesia (Fonte Internet)
Um dos mais notáveis monumentos deste ciclo, o engenho Freguesia, pertencente ao estado, permanece em obras há décadas. Sem vigilância, o museu ali instalado teve seu acervo de móveis, louças e cristais roubado e sua fábrica pilhada pelos vizinhos para utilização de suas pedras, madeiras e telhas em suas casas. Uma das poucas fabricas que ainda se mantém, mas sem seus equipamentos, é a do engenho Cajaiba, em São Francisco do Conde. A bela fábrica em arcos foi transformada em cavalariça e depois abandonada.
Engenho Poço Comprido em Pernambuco (Fonte: Internet)
A pobreza da Bahia não é só econômica, mas de empreendedores de talento. Em Pernambuco foi criada a Rota dos Engenhos e Maracatus com pousadas, restaurantes e centros culturais como o existente no belo Poço Comprido. Na Paraíba criaram os Caminhos dos Engenhos. Noventa fazendas de café do vale do Paraíba do Sul são preservadas como pousadas, restaurantes e casas de fim de semana. Na Bahia poderíamos ter a Envolvente dos Engenhos, Capoeira e Samba de Roda do Recôncavo com as cidades históricas, casas-grandes e capelas que ainda restaram e a rica cultura popular local. Será que nossos empresários não têm uma ambição maior que possuir uma Mercedes e uma lancha seminovas?
Engenho de Baixo, em Aratuipe - Bahia (Foto: Paulo Ormindo)
Uma exceção é o casal Arilda e José de Sousa criadores da pousada Catarina Paraguaçu e da academia Vila Forma, que restaurou e deu uso a duas belas casas do Rio Vermelho e o ultimo engenho real da Bahia. O Engenho de Baixo, em Aratuipe, com acesso por Nazaré está completo, possui casa-grande acoplada à fábrica com roda d´água, moenda, forno com tachos, casa de farinha e moinho de dendê, tudo acionado pelas “levadas” d’água. O engenho está em um parque com restos de mata e de uma senzala, açude, pomar, pastos, uma cachoeira e um banheiro-cascata que provoca orgasmos no banho. 
Engenho de Baixo, em Aratuipe - Bahia(Foto: Paulo Ormindo)
Cansados das filas do ferryboat, Arilda e José querem passar o engenho para quem tenha a mesma paixão que eles pela história e pelo belo. Vendem o engenho de cancela fechada, com amimais, móveis do s. XIX e uma coleção notável de instrumentos de trabalho pré e proto-industriais. Não temos tradição de mecenato e cabe ao poder público preservar este parque para ensinar às novas gerações como funcionavam os engenhos, que eram de açúcar para os senhores e de fel para os escravos. Está feito o lembrete. Aprovado?

domingo, 15 de fevereiro de 2015

CARNAVAL E URBANIDADE

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde,15/02/15


O carnaval era festa pagã transformada pelos cristãos em uma espécie de despedida de solteiro que precedia a quaresma, quando eram proibidos de comer carne no sentido real e figurado. Prefiro falar em carnavais dada a diversidade destas manifestações no tempo e no espaço. O entrudo primitivo tem muito pouco a ver com as carreatas dos anos 40 e o carnaval atual. Do mesmo modo, os carnavais de Veneza, New Orleans, Rio de Janeiro, Recife e Salvador não têm muito em comum.

Mas vou confidenciar uma história. Em março de 1980, a convite do Arq. Carlos Flores Marini, participei na Cidade do México do seminário “El Peaton en el uso de las ciudades”. Enquanto grandes urbanistas mundiais mostravam os sucessos e fracassos da “peatonização” de algumas ruas na Europa e América, eu, um iniciante, fiz uma palestra ilustrada com slides do carnaval de Salvador, onde mostrava toda a área central da cidade ocupada por foliões cantando e dançando durante cinco dias. 

Desenvolvi o tema apoiado na interpretação de Roberto Damatta sobre o carnaval como rito de passagem, em que os foliões, ao invés de vestirem fantasias, se despiam daquelas impostas pela sociedade e assumiam suas verdadeiras identidades regressando à infância ou se transvestindo. A plateia foi ao delírio e o exemplo da Bahia mudou o tom do evento.

Sem negar a teoria de Damatta, me pergunto hoje de que carnaval ele falava? Com os anos fui me convencendo que a festa é muito mais complexa que parece e suas expressões estão muito ligadas à urbanidade e história de cada cidade em que se realiza. O melancólico carnaval de Veneza não estaria associado à cidade condenada ao desaparecimento?

O desfile das escolas de samba do Rio, com seus mestres-salas, porta-bandeiras e comissões de frente não é uma recriação dos desfiles da corte de D. João VI naquela cidade, que impressionaram tanto os quilombolas dos morros cariocas? No fundo as escolas de samba tentam resgatar a nobreza ancestral dos negros perdida com a escravatura. Tinha razão Joãozinho Trinta quando revolucionou o carnaval carioca com um luxo nunca visto, “porque pobre gosta de riqueza, só quem gosta de pobreza é intelectual”. No Recife, os grandes mamulengos-zumbis que rodam no meio do povão que dança frenética e acrobaticamente para despistá-los não será uma caricatura das relações dos pernambucanos com os mauricinhos holandeses e seus descendentes? 

O carnaval tradicional de Salvador foi talvez o mais autêntico e diversificado, refletindo uma sociedade estratificada e tribal com os desfiles dos clubes de classe média, afoxés, cordões, charangas, blocos de índios, cangaceiros e sujos. Mas isto mudou a partir dos anos 50 com o aparecimento dos trios-elétricos que demandavam grandes investimentos e ensejou a criação de uma indústria carnavalesca milionária. Criaram-se trios com cordas de isolamento, mercado futuro de abadás e camarotes com copulatórios. A grande festa da Bahia passou a ser uma das mais segregadoras do país, perdendo sua função de trégua para e interação sócio-racial. O carnaval do sambódromo do Rio está voltando às ruas e o da Bahia para sobreviver precisa libertar os “cordeiros”, tirar o salto-alto e descer dos camarotes.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

MENOS ENGENHEIROS, MAIS MÉDICOS


Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, de 01/02/15

Fiquei otimista com as declarações do governador que iria focar seu governo no Porto Sul e no projeto Águas do Sertão, dois pontos cruciais para o desenvolvimento da Bahia. Estas ações só serão efetivas se forem tratadas como projetos de estado desenvolvidos por instituições competentes públicas e não por empreiteiras que oferecem projetos de ocasião para pegarem obras. Estamos vendo o fracasso da renúncia ao planejamento público com os apagões de energia e agua ao mesmo tempo de inundações no Sudeste. 

Mas a reforma administrativa que se anuncia atinge especialmente a área técnica, A liquidação do que restou do Derba, uma referência da engenharia nacional, com os melhores geólogos, engenheiros e urbanistas da Bahia é preocupante. O Derba não só foi responsável pela criação e manutenção da rede de estradas baianas, em seus 97 anos de vida, como o socorro emergencial de catástrofes naturais, por meio de suas vinte residências. 

Outro órgão técnico que está sendo extinto é a Superintendência de Construções Administrativas, Sucab. Há anos foram liquidadas a Superintendência de Engenharia e Manutenção de Unidades de Saúde, Semus e a Conesc, que cumpria a mesma função com relação às construções escolares. Edificações publicas sem manutenção se transformam em bens de consumo duráveis, que devem ser reconstruídos a cada 15 ou 20 anos com enormes prejuízos para a educação, a saúde e os cofres públicos. 

Na área do planejamento, a Conder, concebida para desenvolver a RMS, foi a partir de 1998 transformada em órgão apenas executor de projetos de empreiteiras. A Interurb responsável pela política de desenvolvimento urbano e articulação municipal no resto do estado foi dissolvida. Os resultados podem ser vistos no abandono da RMS, na transformação de Salvador em vila dormitório e cidades do interior sem saneamento nem mobilidade, lixões a céu aberto e conjuntos habitacionais sem equipamentos. 

Aguas do Sertão, poderá transformar o abandonado semiárido baiano - um terço do Polígono das Secas - numa região produtiva com seu rico potencial mineral, de oleaginosas e fibras e de turístico espeleológico. Mas tudo depende da agua e o anunciado canal Juazeiro/S. José do Jacuipe pode ser uma revolução no tradicionalmente combate à seco com carros-pipas e tanques de fibra em ano eleitoral.

Infelizmente o solitário Porto Sul parece não sair do papel com a queda do valor do minério de ferro. Embora se feche esta porta, outra mais sustentável se abre, o porto de Salinas da Margarida no Canal de Itaparica, com calado de 21 m em aguas abrigadas e junto aos estaleiros de São Roque. Esse complexo industrial-portuário estaria articulado à Relan, ao Cia e ao Copec pela Envolvente Rodoferroviária da Baia de Todos os Santos. Esse polo seria o principal fornecedor de insumos e equipamentos para a exploração do pré-sal e um dos mais importantes hubports do país. Fontes de financiamento não faltariam.

Não podemos realizar esses projetos sem engenheiros. Enquanto a Rússia forma 190 mil deles por ano, a Índia 220 mil e a China 650 mil, nós formamos 40 mil e estamos diminuindo sua participação no governo. Menos engenheiros, mais médicos.

domingo, 18 de janeiro de 2015

A DESASTRADA CULTURA DO M.D.C.

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 18/01/15

Contava-me um sócio de uma construtora média que encontrou no escritório um colega que se inscrevia para uma vaga. Pediu para ver o currículo e perguntou por que ele não mencionava os cursos e os títulos de pós graduação. – “Porque preciso do emprego e se os menciono não serei nem entrevistado”. Contando isso a um grupo de amigos eles disseram que seus filhos foram aconselhados a fazer o mesmo. A grande empresa está trocando profissionais qualificados por recém formados porque ganham menos e se sujeitam a tudo. Por falta de tecnologia nossa indústria perdeu competitividade e nossas exportações são cada vez mais de commodities sem valor agregado. 

Licitações milionárias são feitas com projetos-básicos sem engenharia. Quando uma refinaria orçada em US$ 2 bilhões, como a Abreu e Lima, chega a US$18 bi e não está na metade não é só corrupção, é incompetência e descontrole total. Cerca de 80% de suas obras foram feitas em regime diferenciado de contratações RDC, onde não se pede nem projeto-básico. Hugo Chaves se deu conta a tempo e tirou o cavalinho, ou melhor a PDVSA, da chuva. Raul Castro não fez o mesmo porque cavalo dado não se olha o dente. 

Neste mesmo regime a Copa de 2014 custou a soma das três últimas e nenhuma das obras de mobilidade ficou pronta. É inadmissível que um viaduto caia antes de inaugurado e dois outros estejam interditados (B.H. e Cuiabá) ameaçando cair. O desabamento de um túnel na transposição do São Francisco foi considerado pelo fiscal uma ocorrência normal neste tipo de obra. Isto ocorre porque os órgãos públicos funcionam com contratados REDA, não abrem concurso e poucos têm planos de carreira. 

Nossas universidades estão cheias de professores substitutos, temporários e sem experiência. Para um professor chegar a titular, hoje, não precisa mais fazer concursos de progressão, nem haver vaga, basta ser doutor, ter tempo de serviço e apresentar um memorial. Muitos desses doutores depois do título não escreveram um só artigo. Não é de estranhar que o Brasil, com quase a metade da população da América Latina, não tenha um Nobel, enquanto os hispânicos têm vinte. 

A meritocracia foi abolida do serviço público. Seu sucedâneo é o aparelhamento e a improvisação. O planejamento público foi reduzido ao orçamento. Uma colega funcionaria me disse que fez uma atualização em gestão e comentou com o professor a falta de planejamento das obras. O professor disse que planejamento de estado é coisa do passado, da ditadura. “Estamos fazendo hoje mais planejamento que nunca. As empreiteiras planejam e trazem os projetos-básicos com as licenças ambientais já aprovadas para licitar”. As cinco irmãs não dão prego sem estopa, são todos projetos carimbados. O resultado são obras ruins, superfaturadas, aditadas e desarticuladas. Muitas não servem para nada e foram abandonadas. 

Jorge Amado tinha razão, este é o país do carnaval. Nessa linha não vamos a lugar nenhum. Precisamos superar o complexo de vira-lata e a pratica dolosa do M.D.C. - mínimo denominador comum – e perseguir a excelência e a eficiência para erradicarmos a pobreza e construirmos uma nação desenvolvida. Joãozinho Trinta também tinha razão.

domingo, 4 de janeiro de 2015

DOIS EVENTOS E UMA ESPERANÇA

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 04/01/2015


Final de mandato é época de muitos eventos e renovadas esperanças. Dois eventos que participei merecem registro. O primeiro foi o seminário “O novo perfil das comunidades carentes” promovido pelo Instituto Romulo Almeida, IRAE, na FIEB no dia 9 do mês passado. Este foi o quarto evento promovido pelo IRAE comemorativo do centenário de nascimento de Romulo. A trajetória profissional e política de Rômulo é bem conhecida e dispensa comentários. O instituto vem sendo mantido a duras penas pela dedicação de familiares, como os irmãos Aristeu e Gabriel e o sobrinho Flavio, e antigos colaboradores de Rômulo.

Estes foram marcos importantes para a preservação da memória do grande economista, mas muito pouco tem sido feito pelo poder público para dar continuidade a sua obra como planejador, desde a criação da Comissão de Planejamento Econômico, em 1955, até a concretização do CIA e do COPEC. Ao contrário da União, que conta com o Fundação Getúlio Vargas, e estados como Minas Gerais e Pernambuco que possuem as fundações João Pinheiro e Joaquim Nabuco, a Bahia não possui nenhuma instituição capaz de formar quadros e desenvolver uma teoria do seu desenvolvimento. Pernambuco e Ceará souberam ainda atrair as sedes da CHESF, SUDENE, DENOCS e BNB que têm formado quadros altamente qualificados. Por esta falha, talentos baianos têm que migrar para o Sudeste e estados menores têm maior dinamismo que a Bahia. O melhor resgate deste débito com a inteligência baiana seria o novo governo transformar a FLAM na Fundação Romulo Almeida, uma escola de governo e planejamento.

O segundo evento, não menos importante, realizado no dia 29, deve ser creditado ao último governo. Foi a doação pela Embasa à Secretaria de Desenvolvimento Social de um naco de 11.000 m² do sítio do Queimado, sede da primeira empresa de agua do país. No mesmo ato a secretaria fez a cessão da área por 20 anos à orquestra Neojibá, sua subsidiária, para desenvolvimento de suas atividades de inclusão social pela música. O projeto Neojibá é uma realização de outro baiano notável, o maestro Ricardo Castro. Desde 2007, Ricardo, um festejado pianista de prestigio internacional, lutava por um espaço para treinar suas 4.500 crianças e jovens do sistema de orquestras juvenis do estado, que já excursionou com enorme sucesso pela Europa e Estados Unidos.

Chegou quase a conseguir o auditório de ICEIA, mas na última hora a prefeitura reprovou o projeto. Ricardo não lamentou, porque um consultor japonês de acústica disse que para transformar aquele auditório em uma sala de concerto seria necessário refazer o prédio. No parque do Queimado Ricardo poderá construir do zero uma sala de concerto segundo os melhores princípios acústicos. Mas como conseguir recursos para fazer a sala, já que ele só tem verba de custeio e a Lei Rouanet não financia obras novas? Este é o desafio de Ricardo: conseguir um patrocínio para consolidar e expandir seu projeto. A solenidade foi simples mas significativa e os discursos amenizados pelos instrumentos e vozes afinadas de jovens de um bairro chamado Estrada da Liberdade. A esperança é que o novo governo transforme este codinome em realidade.